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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

ODE A VIDA



Enquanto ela não vem
vamos aproveitar:
apropriar felicidades,
sonhar sem responsabilidades,
ultrapassar limites,
zombar dos temerosos,
fugir das formalidades,
satisfazer necessidades,
exceder nos riscos,
abusar dos gordurosos -
(Não terão tempo de nos fazer adiposos!)
beber todas - Viva Baco ! -
não contemporizar com torração de saco;
proporcionar êxtases em cascatas,
bolinar pessoas chatas.

Enquanto ela não vem
vamos comer chocolates
que, como diria Pessoa,
possuem mais metafísica
do que imaginou César Lates;
Vamos dar olhos à Justiça,
acabar com a Polícia -
fica proibido proibir! -
praticar desobediência civil,
insultar os maus políticos -
manda-los prá puta que os pariu ! -
criar um governo de sonho e fato
que não dintingua forte e fraco,
meio onírico, meio anárquico,
que faça soar as trombetas
anunciando o fim dos caretas.

Enquanto ela não chega aquí,
brindemos qualquer falácia -
com uisque ou com cachaça -
comamos torresmo, chouriços e rabanadas;
revivamos a pompa da monarquia,
degustemos tâmaras, damascos e uvas -
tudo por conta da viúva
que vem sendo depauperada
por um bando de saúvas.
Derrubemos os templos de trapassa -
um dia é do caçador, outro da caça -
arrombemos portas, quebremos vidraças,
façamos saliências nos bancos das praças,
mijemos nos obeliscos cafonas,
sejamos a um só tempo:
sérios e sacanas.

Enquanto ela não chegou ainda
(já deu sinal de que está vindo)
vamos cometer desvairíos:
- Cavalgar Rocinantes,
reeleger Bucéfalo ! -
o cavalo, não a mula! -
enfrentar moínhos,
desdenhar ameaças,
misturar religiões e raças,
ensinar à Sócrates o que não sabia,
polemizar com Platão, reescrever filosofias.
Desprezar boas maneiras,
acabar com as segundas-feiras,
dar espaços prás besteiras.

Enquanto ela se demora
(mas pode chegar a qualquer hora!)
saiamos sem rumo, lugar ou prumo,
tiremos a Madre do convento,
do hábito e da castidade -
a mais sublime das maldades ! -
a mandemos de trem de primeira
prá Passárgada de Bandeira
pecar por caridade,
encontrar Vinicius e,
de quebra, Mario de Andrade;
falarem de pureza que,
no fundo é pura sacanagem.

Enquanto ela não dá as caras
(está muito próxima!)
vamos escrever poesias,
rimar amor com orgias
pagar com moedas podres,
esvaziar todos os coldres,
comprar mariola na feira,
virar cambalhotas, plantar bananeiras,
exercitar os Kama-Sutra e
recuperar, socialmente, uma puta.

Mas quem é ela afinal?
Será do bem ? ...do mal ?
Será senhora ?
Será donzela?
Será obesa?
Magricela?
Sisuda?
Tagarela?

Digam-me quem é ela !
...os que a viram, não podem contar;
os que a descrevem é por imaginar;
Alguns a consideram uma porta -
que imagem mais torta ! -
de um novo patamar;
outros, um bálsamo que os aliviará
(mas se cagam de mêdo de vê-la chegar);
há ainda os qua a buscam
por não conseguir esperar.

Eu aquí no meu cantinho
fico só a observar:
- Seja rico, seja pobre,
de repente ou devagarinho,
ela um dia vai se apresentar:
trata-se da grande igualdade
(sete palmos de terra)
da qual ninguém pode escapar...

Essa fêmea incógnita,
discutida, dissimulada, temida,
mais que o avesso do avesso
é a antítese da vida,


Chácara Campinho da Serra - Serra-ES
2006

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